RELATÓRIO
MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO propõe ação
civil
pública contra MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS.
Sustenta
que em agosto/2013 houve uma exposição de gado nas dependências da Cemosar,
durante a qual houve provas de laço e tambor, que implicam maus tratos aos
animais. A Prefeitura Municipal apoiou e divulgou o evento, tendo conhecimento
das provas realizadas, deixando de cumprir, portanto, a sua obrigação de
prevenir e coibir violações à legislação de regência.
Argumenta
que, no curso do inquérito civil, os particulares que realizavam eventos dessa
natureza aderiram a Termo de Ajustamento de Conduta, obrigando-se a não
realizar atividades lesivas. A Prefeitura Municipal, porém, recusou-se a
assinar o compromisso, sob o fundamento de que não há razão para obrigar-se ao
simples cumprimento da lei e, quanto a medidas efetivas de fiscalização, não
dispõe de recursos orçamentários para ampliar sua estrutura fiscalizatória.
Aduz
o autor, todavia, que esse tipo de atividade, de todo deletéria, merece atenção
prioritária do Município, sendo imperioso disponibilizar, de imediato,
orçamento, fiscais e funcionários públicos para se coibir com eficiência
eventos dessa natureza.
Sob
tais fundamentos, pede a condenação do réu nas obrigações de (a) abster-se
de organizar e/ou participar, de qualquer forma, de rodeios e/ou de eventos
congêneres que incluam provas de tambor e/ou laço, calfroping, bulldog,
bareback, teamroping, laçada de bezerro, laçada dupla, pega garrote,
vaquejada, bem como que incluam o uso de sedém, peiteiros, choques elétricos ou
mecânicos, esporas e demais instrumentos e condutas capazes de causar sofrimento
e dor, maus tratos e tratamento cruel a qualquer tipo de animal utilizado
nesses eventos (b) abster-se de autorizar rodeios e/ou eventos
congêneres na área urbana do município de São Carlos, assim como adote as
medidas necessárias, como fiscalização, cassação de alvarás, de permissão,
interdição de atividades, embargos e acionamento judicial, no caso de sua
ocorrência (c) nos alvarás que eventualmente sejam concedidos para a
realização de rodeios e/ou eventos congêneres, sejam proibidas as provas de tambor
e/ou laço, calfroping, bulldog, bareback, teamroping, laçada de bezerro,
laçada
dupla,
pega garrote, vaquejada, bem como que incluam o uso de sedém, peiteiros,
choques
elétricos ou mecânicos, esporas e demais instrumentos e condutas capazes de
causar sofrimento e dor, maus tratos e tratamento cruel a qualquer tipo de
animal utilizado nesses eventos; (d) adotar as medidas necessárias, como
fiscalização, cassação de alvarás de permissão, interdição de atividades,
embargos e acionamento judicial, para que não se realizem rodeios e/ou eventos
congêneres em área urbana do município de São Carlos que incluam provas de
tambor e/ou laço, calfroping, bulldog, bareback, teamroping, laçada de
bezerro, laçada dupla, pega garrote, vaquejada, bem como que incluam o uso de
sedém, peiteiros, choques elétricos ou mecânicos, esporas e demais instrumentos
e condutas capazes de causar sofrimento e dor, maus tratos e tratamento cruel a
qualquer tipo de animal utilizado nesses eventos.
Requereu
a concessão de tutela antecipada.
A
tutela antecipada foi indeferida (fls. 267/269).
O
Município contestou a ação a fls. 285/289, reiterando suas manifestações
preliminares (fls. 261/265), afirmando, ainda, que, no município, são
respeitadas as normas de proteção aos animais nos termos da Lei nº 14.860/09;
que a fiscalização municipal atua após denúncias; que as autorizações
concedidas ao evento realizado no Cemosar se restringiram à exposição do gado
Brahman e a eventos festivos, conforme constou nos alvarás concedidos sem
qualquer indicação de rodeios ou similares; que não há tradição de rodeios na
cidade e que o TAC assinado pelo Cemosar e pelo Sindicato Rural faz presumir
que não haverá eventos que tragam sofrimento aos animais; que continuará a
aplicar as normas legais em vigor e fará constar de seus alvarás as restrições
impostas por essas normas. Juntou documentos (fls. 290/297).
A
serventia certificou a intempestividade da contestação (fls. 298).
Houve
réplica (fls. 302/307).
FUNDAMENTAÇÃO
Julgo
o pedido na forma do art. 330, I do CPC, pois a prova documental é suficiente
para a solução da lide, e as demais formas de prova não seriam pertinentes ao
caso.
A
intempestividade da contestação não implica a incidência dos efeitos da
revelia, ante a indisponibilidade dos interesses públicos geridos pela
administração pública, aplicando-se portanto o art. 320, II do CPC.
Sustenta
o Município que não há falha, de sua parte, no concernente ao seu dever de
zelar pela observância da legislação que protege os animais no caso de rodeios
e eventos congêneres.
Ocorre
que, em conformidade com a prova que foi colhida durante o inquérito civil,
ficou constatada tal falha, tanto que a Municipalidade apoiou e incentivou o
evento ocorrido em agosto/2013, ao qual compareceu, inclusive, o Prefeito
Municipal, no qual ocorreram provas de laço e tambor, sem qualquer atuação
administrativa no sentido de coibir ou ao menos impor condições para tais
atividades, de modo que a atividade fiscalizatória foi simplesmente nula.
Nesse
diapasão, não se pode falar em ausência de conduta, da administração pública
municipal, que justifique a demanda e provimento judicial.
Por
outro lado, e com todas as vênias a entendimento diverso, o pedido formulado
nestes autos vai muito além da lide específica e pretende que o Poder
Judiciário
fixe de modo antecipado, com foros de definitividade, uma determinada
interpretação da legislação que rege os rodeios e eventos congêneres, impondo
previamente à administração pública uma linha de atuação, sem que a questão
tenha sido problematizada em situações concretas.
A
consequência disso é que não se pode descer ao nível dos detalhes apresentados
nos pedidos inaugurais, pois a lide específica, que se manifestou no
inquérito
civil (leia-se fls. 171), não diz respeito à interpretação sobre tudo o que é
permitido e tudo o que é proibido, e sim sobre a atividade fiscalizatória
exigível da administração pública.
Não
cabe ao Poder Judiciário atuar como um órgão de consulta, extrapolando os
limites da lide concreta, ou seja, do conflito de interesses efetivo.
Com
efeito, a leitura da inicial, da contestação e do inquérito civil mostranos
que, presentemente, não há litígio entre as partes, no que diz respeito a quais
atividades, provas ou instrumentos empregados nos rodeios, constituem ou não
prática proibida, vez que o problema sequer se apresentou. Ingressar o Poder
Judiciário nesse exame é antecipar-se prematuramente sobre tais questões,
desvirtuando-se de sua função.
Se
o pedido inicial formulado pelo Ministério Público fosse acolhido, o órgão
jurisdicional estaria indo além da atuação judicial e ingressando,
praticamente, em função legislativa no âmbito municipal, pois estabeleceria, em
níveis abstratos, atividades que, a priori, seriam consideradas
ilícitas, sem que sequer tenha havido conflito sobre essa matéria.
Veja-se
que para algumas dessas questões (já que o pedido é detalhado, com a indicação
de diversas modalidades de competição e instrumentos) talvez fosse necessária a
realização de prova pericial, para aferir a aptidão deste ou daquele
instrumento para causar sofrimento ou dor nos animais. Tudo isso sem que,
repita-se, tenha havido lide sobre esses pontos, nem mesmo se avizinhe qualquer
conflito a propósito, mesmo porque em nenhum momento a Prefeitura Municipal
afirmou, por exemplo, que esta ou aquela prova não é proibida.
Consequentemente,
a condenação judicial não poderá estipular previamente o conteúdo das
atividades que são reputadas lícitas e ilícitas no âmbito do rodeio, e sim,
apenas, impor à administração municipal que exerça adequadamente seu mister
fiscalizatório.
Ante
o exposto, julgo parcialmente procedente a ação e CONDENO o réu
Município de São Carlos a(a) abster-se de organizar e/ou participar, de
qualquer forma, de rodeios e/ou eventos congêneres nos quais sejam realizadas
provas ou atividades lesivas ou potencialmente lesivas aos animais (b) nos
alvarás que eventualmente sejam concedidos para a realização de rodeios e/ou
eventos congêneres, estabelecer as condições e restrições para que não
se repute o evento lesivo ou potencialmente lesivo aos animais (c) adotar as
medidas necessárias, como fiscalização, cassação de alvarás ou de
permissão, interdição de atividades, embargos e acionamento judicial, no caso de
rodeios e/ou eventos congêneres que se realizem sem autorização ou em
desconformidade com as condições ou restrições impostas pela lei ou
administração pública, para prevenir ou coibir tais condutas.
Em
caso de descumprimento, incidirá multa diária de R$ 20.000,00.
Mantém-se
o indeferimento da tutela antecipada, eis que não demonstrado, pelo autor, o
requisito do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, como já
observado
na decisão que rejeitou a liminar.
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